Basta olhar pelas ruas de Barra Mansa para identificar comércios bem tradicionais que perduram por décadas. Parece que muitos deles surgiram na época em que o saudoso trem de Minas abarcava na estação milhares de passageiros indo e voltando do interior.
Havia muita gente que trabalhava nas cidades grandes e voltava para passar o fim de semana com a família, bem como aquelas pessoas que estavam construindo pontes, rodovias e ferrovias, cuidando de animais e de suas próprias terras, que iam e voltavam utilizando esse meio de transporte. Dentre esses passageiros tinham os mascates, que levavam alimentos, bebidas e bugigangas para distrair e fornecer oportunidades de uma compra para a clientela. Eles às vezes davam oportunidade de suprir os desavisados ou esquecidos de produtos para as suas casas.
A Mula Manca foi uma dessas lojas que surgiu como uma oportunidade de negócio aos transeuntes no crescimento da cidade e era um suporte para os que iam embarcar no trem, levando suas coisinhas para agradar a família. Além disso, a loja por um bom tempo tinha seus caixeiros viajantes que saíam pelo trem de Minas levando brinquedos, utilidades, artigos de tabacaria, pesca e caça para os comércios que começaram a surgir no interior. Pode-se dizer que bem antes do atual proprietário, já era uma loja de mascate para mascate. Nos termos atuais, a Mula sempre foi revolucionária, fazendo B2B (negócios para negócios).
Hoje representada pelas suas filhas, nora e mais uma sócia, a Mula ainda é liderada pelo visionário Vicente Fernandes, de 84 anos. Ele assumiu a loja junto com os irmãos que vieram de Bom Jardim de Minas quando ainda tinha 17 anos. Um irmão veio trazendo o outro assim que as oportunidades surgissem. Os três vieram de uma família de 8 irmãos, filhos de Clodovilde Miranda e José Carneiro, montando duas lojas, a Mula e A Pechincha.
Comércio de rua
Em meio à pandemia, muitos comerciantes migraram para os meios digitais com uma tentativa de sobrevivência. Alguns deles inovaram, facilitando a entrega em domicílio, mas sabe-se que a logística de operação não é uma coisa muito fácil. Os clientes em suas residências necessitam de rapidez na entrega e os preços não podem ficar muito elevados. A Mula Manca, sabendo dessa necessidade, investiu no ponto físico como armazenamento de suas mercadorias e, sabendo que as pessoas estavam fazendo modificações em suas casas, desde pequenos reparos até grandes reformas, não parou de fazer entregas em todos os pontos de Barra Mansa, Volta Redonda e adjacências.
Quando as coisas voltaram a funcionar perto do normal, ela estava de portas abertas, com o proprietário presente todos os dias, após tomar suas vacinas, é claro! Mesmo estando em funcionamento, ainda atende pelo telefone e pela internet. Senhor Vicente, um personagem conhecido como “Don Fernandes de las Mulas Mancas”, ainda conta suas histórias vindas de sua infância em Minas Gerais, suas pescarias, suas andanças pelo caminho de Santiago de Compostella (onde ganhou seu apelido, associado ao Don Quixote de la Mancha) e suas caminhadas por travessias e estradas da região. É uma pessoa muito querida, cheia de amigos e tem muito respeito pela clientela, desde os tempos que unia as atividades de comerciante com a advocacia. Profissão essa, que passou a não exercer mais “porque não aguentava ver as pessoas separando-se e brigando em família”, diz. Na realidade, a lojinha em frente à estação sempre foi a sua grande paixão, “por poder estar mais próximo das pessoas”.
Houve um tempo em que a Mula era reconhecida pelos inúmeros artigos de pesca, nacionais e importados, fornecendo novidades aos esportistas, que não seguiam para suas aventuras sem dar uma passadinha por ali. Naquele momento, sua falecida esposa, professora aposentada, Dona Uyara, dava aulas de montagem de molinetes, encastroados e garateias, estudando todos os dias sobre pescaria em programas de TV e revistas. Naquele momento a loja “bombava”, até que as vendas dos grandes magazines começassem seus trabalhos pela internet. Mas a loja sempre se destacou pela sua diversificação em utilitários domésticos, ferramentas e ferragens, tendo tudo o que não se encontra em outra loja.
É importante ressaltar que o fato de um comércio estar na rua, absorvendo clientes passantes e outros já cativos, é a melhor maneira de expor produtos, além de render boas conversas e ampliar o relacionamento. É perceptível nas pessoas o grau de satisfação em encontrar Don Fernandes vívido e atento aos preços e produtos. É impressionante que ele guarda o estoque e os valores na cabeça, além de ter anotações de mais de 50 anos se naquela determinada época deu movimento, choveu ou fez sol.
Inovação
Don Fernandes de las Mulas Mancas sempre foi um visionário mas valoriza muito as tradições. Ele sabe as dificuldades que passou em sua infância para ter brinquedos ou roupas. Por isso acumulou em seu comércio muitas peças de mercadorias antigas, pedaços de ferramentas e muitas curiosidades, que despertam muito o interesse das pessoas. A Mula ficou conhecida como a loja que tudo tem.
No intuito de revitalizar o ponto comercial, valorizando o que a Mula Manca tem de melhor, associando moda estilo e diversidade, uma de suas filhas, a Cristiana Fernandes (Kitty), que tem uma carreira constituída como designer e professora universitária e também é sócia de uma linda loja em Paraty e outra em Cruzeiro, SP, resolveu com suas sócias trazer a atmosfera da irreverência de suas peças ao espírito Mula Manca. Ela cresceu dentro do comércio, primeiro sendo pesada na balança de chumbo de caça, depois embrulhando para presente os artigos vendidos e depois, um pouco maior, era quem fazia os serviços de banco e cobranças. A Kitty e sua irmã Daniella, hoje médica, sempre tiveram apreço pelo comércio e pelas pessoas, sendo que, toda sua formação é fruto do trabalho dos pais, que sempre estiveram à frente da loja. Elas herdaram o tino comercial e o bom humor do pai.
No dia 11 de abril, após 45 dias fechada para reformas, a loja foi reinaugurada, preservando as características tradicionais, reaproveitando madeiras, móveis e objetos de decoração, unindo elementos das casas das então sócias, Luciana Quintana e Ariane Babboni. Todas ideias vieram dessas três meninas atentas, trazendo elementos da identidade da marca criada por elas: a Átame.
As lojas de Paraty e Cruzeiro carregam a premissa da sustentabilidade e têm em sua missão a chancela do empreendedorismo feminino e LGBTQIA+. A ideia é que as roupas e acessórios, por serem bem versáteis, atendam uma demanda bem democrática e atemporal. As sócias acreditam que a moda deva ser um representativo do bem-estar das pessoas, não para diferenciá-las, mas para uni-las. Para tanto, hoje a Átame conta com mais de 6 famílias empreendedoras, parceiras, assinando suas peças em um esquema colaborativo. Dessa maneira, dá visibilidade aos criativos, dando o tom da marca.
A Mula Manca + Átame é uma proposta que pretende ser justa e valorize a tradição dos mascates antigos, dando a continuidade do sonho da família, mas com o trabalho das meninas que sabem fazer o que pretendem: ser felizes com o que escolheram, com liberdade de expressão em forma de peças, trazendo mais alegria para as pessoas, sobretudo mulheres, com o mote: “Por uma vida sem amarras!”
A Mula Manca + Átame fica na Rua Orozimbo Ribeiro, 26 – Centro – Barra Mansa. Siga no Instagram @mulamanca_atame e veja as novidades. Acesse o site www.mulamanca.com. Para mais informações: (24) 999130482.
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